Como muitos de vocês devem saber, há cerca de três meses assumi a função de Technical Evangelist (TE) na Microsoft Brasil. Apesar de já possuir uma ideia do que fazia um evangelista (ou pelo menos achar que fazia), só agora, três meses depois, posso dizer que tenho uma visão mais concreta sobre como funciona esta função e sobre como ela impacta na estratégia de uma companhia como a Microsoft. Como sempre faço aqui no blog, com este post, quero compartilhar com vocês minhas experiências até aqui.
Visão geral
Como o próprio nome sugere, o evangelista técnico tem como atribuição primária evangelizar (sob as perspectiva técnica, é claro) o mercado em relação a tecnologias e soluções da Microsoft. No meu caso específico, mantenho o foco no evangelismo para a plataforma de nuvem da empresa – o Microsoft Azure.
É claro que esta visão, apesar de correta, é bem generalista. Precisamos aumentar o zoom aqui para entender mais e melhor. Sob minha perspectiva, dois pontos principais devem ser analisados para que seja possível entender as reais atribuições de um evangelista técnico. Estes pontos claro, devem ser considerados sob a perspectiva da Microsoft e sua visão estratégica. São eles:
- Quem é o “mercado” e o que ele consome?
- O que significa “evangelizar”?
A seguir quero discorrer um pouco sobre estes aspectos.
Quem é o “mercado” e o que ele consome?
Pergunta difícil de ser respondida, não? Mas precisamos começar a análise por aqui. Isso porque não há como ter uma definição clara de evangelismo (ou estratégias de evangelismo) sem saber quem se pretende evangelizar (faz sentido?!).
Gosto de pensar que o “mercado” é todo tipo de instituição (note, não restringi apenas a empresas) ou pessoa física que é um potencial consumidor (em maior ou menor escala) de produtos e/ou serviços da Microsoft. Ok, concordo com você que a definição acima é um tanto quanto genérica e não conclusiva. Vou dar mais detalhes.
Só há uma forma de entender, de fato, de quem estamos falando: mapear de forma assertiva as ondas tecnológicas (também conhecidas como tendências ou necessidades) do momento.
Quem determina de forma efetiva o target de qualquer ação produtiva (não apenas de evangelismo) não é a Microsoft, são as necessidades das instituições (clientes) mencionadas anteriormente. Sim, as necessidades do “mercado” (Inception?!). A Microsoft apenas reage em relação a estas necessidades. São elas que dizem como as empresas devem proceder e quais devem ser seus posicionamentos em diversos aspectos: quais features seus produtos devem incorporar, quais soluções devem ser criadas ou descontinuadas, quais ações devem ser implementadas, etc.
Entender isso é fundamental para entender os dois aspectos mais importantes aqui: o mercado é quem consome (ou poderá consumir) as tecnologias e serviços mas, o que este mercado irá consumir, será determinado pelas necessidades (ou tendências). O que nos dá a noção de que, de tempos em tempos, as coisas podem (e deverão) mudar. O que nos dá a noção de que as estratégias da companhia poderão (deverão) mudar e isso inclui o evangelismo.
É importante ter o entendimento correto dessa característica a esta altura. Isso porque tal aspecto toca diretamente as atribuições e demais atividades do evangelista.
O que significa “evangelizar”?
Existem diferentes entendimentos a respeito de qual seria o melhor grupo de atividades/atribuições que definiria o termo “evangelizar”. Para muitos, evangelizar significa:
- Realizar palestras;
- Escrever posts/artigos em blogs ou portais técnicos;
- Fazer podcasts ou videocasts;
- Realizar hands on;
- Executar hackatons (claro, para desenvolvedores);
Particularmente entendo que evangelizar é mais do que isso e a Microsoft também.
No passado estas eram de fato as atribuições primárias de um evangelista na Microsoft. Muito embora estas atribuições ainda estejam dentre os core priorities (e provavelmente sempre estarão) da posição, elas estão lado a lado com outras atividades importantes e super empolgantes para quem gosta da área técnica. São elas:
- Participação ativa em projetos de clientes;
- Estudos de casos e desenho de arquiteturas de referência;
- Entrega de workshops em clientes;
- Tempo para estudo e improvement dos skills técnicos (com incentivo para certificações);
- Mentoria em projetos de migração e desenvolvimento de novas soluções (aqui mais específico para Azure);
- Mentoria para startups;
- Melhorias em soluções já existentes;
Estas informações nos dão insumos suficientes para entender a composição básica da vida de um evangelista: aplicar as metodologias descritas aqui para atingir as audiências descritas na seção onde definimos o “mercado” nas tecnologias que este mercado está consumindo. E claro, sempre respeitando o dinamismo da área.
Perfil do TE
O perfil esperado para um Technical Evangelist pode divergir de empresa para empresa e de estratégia para estratégia. Entretanto, algumas características são fundamentais na posição em todas as empresas e aqui na Microsoft não é diferente. Um bom TE deve que possuir os seguintes skills bem desenvolvidos:
- Forte base técnica (teórica e principalmente prática);
- Bons skills de comunicação (falar e escrever bem é fundamental);
- Bom relacionamento interpessoal (existe uma interação muito forte entre as áreas, logo…);
- Bom cross colaboration;
- Conhecimento de tecnologias não-Microsoft;
- Visão sistêmica de mercado;
- Falar inglês (isso é fundamental, especialmente em multinacionais);
Existem diversas outras competências que poderiam ser acopladas aqui, entretanto, sob minha perspectiva essas são as que realmente fazem toda a diferença no dia-a-dia de um TE. Mas, por que? Apresento minhas justificativas a seguir.
1. Forte base técnica (teórica e principalmente prática)
O Technical Evangelist é exposto constantemente a situações em que seus conhecimentos são postos a prova. Seja em uma palestra em que a audiência o questionará, em uma prova de certificação ou em um projeto no qual você estará atuando na montagem de uma arquitetura de referência: seu conhecimento dirá até onde você pode ir. Como Technical Evangelist (note o nome da posição) é fundamental garantir que limitações técnicas não atrapalhem os objetivos da empresa que o contratou, certo?
2. Bons skills de comunicação (falar e escrever bem é fundamental)
Como TE você precisará fazer palestras, falar em clientes e com a comunidade Microsoft (e não-Microsoft) e além disso, interagir em reuniões, logo, é fundamental saber falar bem. Escrever bem também é outro skill extremamente desejável, uma vez que você precisará blogar (como o que estou fazendo agora 🙂 ), escrever documentação técnica em seu idioma base, enviar e-mails para clientes, etc. Portanto, ter um bom vocabulário e saber se fazer entender de maneira eficiente é super importante para um evangelista. Isso passa credibilidade para quem o ouve/lê.
3. Bom relacionamento interpessoal (existe uma interação muito forte entre as áreas, logo…)
Você trabalhará em um time composto por pessoas que assim como você, possui expectativas pessoais e profissionais. Além disso, estas pessoas terão opiniões que irão divergir de sua forma de pensar. Saber se portar bem diante das diferenças será fundamental para que você consiga ter o nível de colaboração e resultado esperado, tanto para a empresa quanto para você. Ainda nesta aba, é importante entender que cada pessoa tem sua expectativa em relação ao trabalho. Entender e respeitar isso é fundamental.
4. Bom cross colaboration
Entender as diferenças é importante. Igualmente importante é saber operar bem entre as diferentes áreas dentro da empresa. Como evangelista temos interação com outros times o tempo todo. Ser habilidoso no processo de ajudar os diferentes setores e ainda impactar nas suas atribuições primárias é fundamental para ter sucesso nessa posição. E isso vale para qualquer posição, não apenas para a de evangelismo. Mas é verdade, porém, que “talvez” os evangelistas sejam os profissionais mais demandados por outras áreas da empresa.
5. Conhecimento de tecnologias não-Microsoft
Você já deve ter ouvido falar em algum momento que a Microsoft hoje é uma empresa totalmente aberta. Isso não é brincadeira. Os altos investimentos da companhia em tecnologias abertas (Linux, PHP, Node.js, etc.) mostra que a empresa não está pra brincadeira.
Especialmente no meu caso (olho especificamente para Azure for Devs) este é um aspecto de suma importância. Isso porque o Azure suporta diversas integrações com tecnologias, linguagens e plataformas. Dentre elas: Pyton, Java, Ruby, PHP, Linux em diferentes sabores, Jenkins, dentre tantos outros.
É muito legal dizer: hoje, conhecer tecnologias não-Microsoft é fundamental para se trabalhar na Microsoft.
6. Visão sistêmica de mercado
Entender o mercado. Como isso é importante em nossa área. Como as tendências (e respectivos focos) mudam o tempo todo, para ter sucesso na área de evangelismo, é preciso “sacar” os pontos chaves em cada novo momento. Isso garante, dentre tantos aspectos positivos, o de suprir as necessidades dos clientes com as tecnologias e campanhas corretas.
7. Falar inglês
Empresas multinacionais falam inglês e ponto. Pra ser um evangelista é preciso ter este skill disponível. Senão, como você fará pra se comunicar com outros evangelistas ao redor do mundo? Como fará nos treinamentos fora do país para os quais sua empresa lhe enviará?
O dia-a-dia de um TE na Microsoft
No passado existiram dois grupos de Technical Evangelists na Microsoft: “Entreprise” e “Comunidade”.
Como você pode estar imaginando, os TE’s abaixo do primeiro grupo mantinham seu foco em ajudar empresas (especialmente instituições que desenvolvem software) a utilizar as tecnologias da Microsoft da melhor maneira, ajudando com desenho de arquitetura de referência e em alguns casos, ajudando de forma prática na implementação das boas práticas.
O segundo grupo era focado em tocar ações junto às comunidades técnicas – Microsoft ou não. Este segundo grupo tinha dentre suas principais atribuições: organizar eventos, realizar palestras em eventos técnicos, definir quais eventos apoiar, escrever artigos e documentação técnica, gravar vídeos, etc.
Há alguns meses um novo blue print desceu da Microsoft Corp. mudando a atuação dos TE’s. Neste novo modelo, todos devem estar aptos a entregar qualquer demanda. Seja ela uma ação voltada para comunidade, seja ela voltada para clientes ou seja ela voltada para a implementação de projetos.
Penso que este modelo faz total sentido. Isso porque agora todos os TE’s tem a oportunidade de desenvolver seus skills em todas as áreas. Por exemplo: aquele TE que adquiriu muito conhecimento técnico atuando em projetos ao longo da carreira, tem agora a oportunidade de compartilhar este conhecimento em palestras ou através da gravação de cursos. O contrário também pode ser verdadeiro.
Especificamente no meu caso, como olho para Azure, tenho sido engajado em demandas que envolve: migração de aplicações do modelo on-premisses (ou de algum outro host/plataforma de nuvem), gravação de cursos e mentoria/tutoria em processos de construção de novas aplicações “nascidas para a nuvem”, dentre outros. Além disso, temos as rotinas de palestras, blog posts e outras ações. É bem divertido 🙂
O mais legal é poder comprovar na prática o quanto se aprende por aqui. Muito mais que qualquer curso de qualquer nível 🙂
Especialidades versus entregas esperadas
Como em qualquer ambiente de trabalho, a empresa espera que você garanta seus entregáveis. Com o evangelista não é diferente. A diferença talvez aqui na Microsoft é que somos livres para criar e trazer ideias de como gerar um entregável saudável e eficiente. Isso não é qualquer coisa, afinal de contas, qual empresa lhe permite determinar a melhor forma para entregar seus próprios resultados?
Atualmente a área de evangelismo encontra-se abaixo da área de DX (Developer Experience). DX é a vertical da companhia que trata da inovação, das novas tecnologias e de como replicá-las no mercado, tanto do ponto de vista de marketing quanto do ponto de vista técnico. Dessa forma, estar atualizado com as tecnologias mais recentes é fundamental para o evangelista. Pessoalmente, o profissional tem seus skills amplificados constantemente. Vejo isso como uma enorme vantagem.
É fato que cada profissional possui suas especialidades. A beleza de um time é justamente esta: A possui expertise em desenvolvimento de apps, B possui expertise no desenvolvimento de soluções de nuvem, C acumula experiência em ambientes de infraestrutura, D conhece bem processos de DevOps e assim sucessivamente. Aqui na Microsoft as especialidades dos TE’s são sempre alinhadas aos desafios (entregáveis) da área. Isso é bacana porque extrai o melhor de cada um de forma a convergir para o alcance das expectativas da companhia.
No meu caso por exemplo, como acumulei experiências relacionadas ao universo de desenvolvimento de software (mais especificamente, desenvolvimento web) e nuvem ao longo de minha carreira, a Microsoft direciona este perfil profissional para atuar em demandas desta natureza. Me sinto satisfeito por estar fazendo algo que gosto e conheço e isso se reflete na qualidade das entregas que faço em nome da empresa.
Desafios
É evidente que nem tudo são flores. Na verdade, diversos são os desafios da área de evangelismo. A seguir destaco os principais (sob a minha perspectiva):
- Gestão do tempo: um dos maiores benefícios da função de evangelista é também um dos maiores desafios. Aqui não existe um micro gerenciamento de tempo. Cada um tem suas responsabilidades e como já mencionei em algum momento anteriormente, é livre tanto para elaborar suas próprias estratégias de entrega como para determinar o tempo que será dedicado para que a mesma ocorra dentro do período que a Microsoft espera. As vantagens são evidentes. O que pode não ser tão evidente são as dificuldades que podem ser geradas. Se o evangelista não for organizado e souber escolher as batalhas corretas, este aspecto pode comprometer sua performance, o que será ruim pra ele e para a companhia.
- Manter-se constantemente atualizado: manter-se atualizado constantemente é muito legal, porém, não é tarefa fácil. Isso porque novas tecnologias, frameworks e recursos são anunciados o tempo todo. Como se espera que o TE possua conhecimento avançado nas tecnologias das quais é especialista, você pode imaginar o desafio. 🙂
- Contra-tempos acontecem: este é um motivo pelo qual a base técnica é importante. Acontece com certa frequência situações do seguinte tipo: o evangelista vai preparado para entregar uma palestra/workshop sobre o assunto X e quando chega a hora, a audiência está preparada para o assunto Y. Ou então, cobrir um colega que precisou ser alocado pra outra demanda em cima da hora.
- Ser relevante para todas as áreas: este é um grande desafio que enfrentamos todos os dias. Conforme mencionado anteriormente, existe uma forte sinergia entre as áreas da Microsoft e o trabalho do evangelismo passa por várias delas. Tão importante quanto ter um bom relacionamento com as pessoas destas áreas, é entregar um trabalho relevante, que realmente agregue valor a estratégia do setor e da Microsoft. Com tantos inputs distintos, fazer isso acaba se tornando um grande desafio.
Apenas um pouquinho da minha percepção neste período em que estou aqui.
Até a próxima!
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