
Disclaimer: Hoje gostaria de pedir a licença de vocês para escrever um post não técnico e me aventurar um pouco em um universo que gosto muito: a filosofia. Falarei um pouco sobre a morte e os efeitos positivos (sim, positivos) que ela pode trazer.
Existem momentos da existência humana em que, o indivíduo, deve voltar-se para sí e refletir e, é inegável que um destes momentos que leva à introspecção, é a morte. Existe um texto bíblico (Eclesiastes 7:2) que diz:
Melhor é ir à casa onde há luto do que ir à casa onde há banquete, porque naquela está o fim de todos os homens, e os vivos o aplicam ao seu coração.
Esta frase a princípio passa uma ideia pessimista, de alguém (autor) que passa por um momento negro de sua existência e expressou tal “negrecência” através dela. E é exatamente isso que está acontecendo. Mas aqui, uma pergunta inevitavelmente surge: “Como é possível um evento fúnebre ser melhor que uma festa?”
O contexto histórico
Eclesiastes é um livro histórico que pode ser encontrado na bíblia (entre Provérbios e Cânticos). O autor deste livro, ao que tudo indica, é Salomão. Salomão era filho do rei Davi e segundo a história, foi o rei com maior sabedoria de que se tem notícia, no passado de Israel. Salomão reinou durante aproximadamente 40 anos (segundo a cronologia bíblica, de 1009 a 922 a.C.). Muitas obras literárias são atribuídas a Salomão, sendo as principais: Eclesiastes, Provérbios e Cânticos.
Sob o ponto de vista ideológico, existem duas linhas de pensamentos debatidas por historiadores: uma mais romântica e poética (característica marcante do autor Salomão) e outra mais racionalista.
- Vertente 1: Eclesiastes faria menção às situações da vida, à vaidade das coisas humanas e teria a intenção de pregar o desapego em relação as coisas terrestres, utilizando a vida do autor como elemento de comparação.
- Vertente 2: Eclesiastes seria um livro crítico, que descrevia a realidade do povo de Israel por volta do século III a.C., quando a Palestina era colônia de Macedônia.
Olhando o livro como um todo (sim, eu gosto de ler da bíblia), minha percepção é de que a primeira linha temática faça mais sentido, principalmente considerando o estilo literário do autor.
A aplicação
Se este é o plano de fundo, podemos então afirmar: sim, o texto mencionado no início deste post é a expressão de um autor introspectivo, provavelmente em momento depressivo, consumido por algum tipo de angústia.
Respondendo a pergunta
“Como é possível um evento fúnebre ser melhor que uma festa?”
Alguém me disse certa vez: “A morte é um alívio para quem vai e uma maldição para quem fica”. Instintivamente, minha pergunta para esta pessoa foi: Será?!
É evidente que a pessoa estava se referindo aos sentimentos gerados pela morte do ente querido naqueles que ficam: a saudade, tristeza, o vazio (muitas vezes impreenchível, é verdade). Mas, não seria esta mais uma típica situação do copo com água? Neste caso, a pessoa poderia estar olhando o copo meio vazio.
Meu ponto, que faz menção ao copo meio cheio é: a morte de alguém, pode me tornar uma pessoa melhor? Será que o único benefício da morte é reduzir a população do planeta ou há algo filosófico/ideológico de suma importância para o ser humano?
Ninguém é uma ilha. Ninguém vive só. Todos os indivíduos possuem ao seu redor (ou pelo menos deveriam possuir) pessoas que lhes são importantes. Pessoas cujos relacionamentos justificam uma existência: familiares, amigos, colegas de trabalho, etc.
Recentemente, uma destas pessoas foi ceifada abruptamente da minha vida. Um câncer raro e agressivo tirou de mim um tio muito querido (Wilson). Ele foi o responsável por muito do que sou hoje. Devo também a ele, muitas das principais lições que aprendi na vida: hombridade, honestidade, trabalho duro, correr atrás dos objetivos, não ter vergonha de chorar, não ter medo de arriscar, dentre outras. Diante de um problema, meu tio não era daqueles que falava, ele abraçava. Posso garantir que o planeta perdeu uma grande pessoa e eu, mais que uma referência, um grande amigo.
Porque esta história? Pra dizer que sim, senti e muito sua perda. Mas a pergunta que me faço hoje: como a morte do meu tio, pode fazer de mim uma pessoa melhor? Sim, é o meu momento de instrospecção e neste momento, gostaria de compartilhar com vocês algumas perguntas que tenho realizado para mim mesmo na tentativa de responder a pergunta do copo d’água:
- O que é a vida para o Fabrício?
- O que tenho valorizado/priorizado na minha?
- Minhas prioridades estão me levando pra onde?
- Carreira, dinheiro e sucesso: são importantes até que ponto?
- Porque deixo minha saúde e espiritualidade sempre em segundo plano? Não deveria ser o contrário?
- Como tenho reagido diante dos problemas da vida?
- Tenho sido o filho, marido e funcionário ideal?
Não tenho estas respostas ainda, mas espero conseguí-las em breve.
Respondendo objetivamente à pergunta do início deste post, acho que com a morte do meu tio, pude compreender exatamente o que Salomão quis dizer e sou levado a concordar com sua afirmação.
Muito mais do que um rompimento físico, a morte gera um rompimento sentimental. Neste caso, o sentimento afetado é justamente o mais sublime, o amor. Essa impossibilidade de ter a correspondência do sentimento com aquele que se foi (isso é relacionamento), por inércia, gera efeitos colaterais e um deles, é a reflexão. Quando há reflexão, há análise e quando há análise, há uma conclusão acerca daquilo que precisa ser realizado no sentido da melhoria, aperfeiçoamento. Colocando tais ações em prática, pronto, você acabou de se tornar uma pessoa melhor.
Isso é exatamente o oposto de se estar em um banquete. Enquanto no funeral naturalmente assumimos uma posição de humildade e reflexão, em outra situação somos levados pelo contexto a assumir posição contrária ou ignorar aquilo que realmente importa e, neste caso, o efeito é contrário: se não há reflexão, não há análise e neste caso, não existirá uma conclusão acerca de melhorias. Logo, você estará estagnado.
Assim…
Ao se deparar com a morte, não fuja dela: chore, grite e revolte-se momentaneamente. Estes também são sintomas gerados pelo rompimento do relacionamento. Mas principalmente, reflita. Procure olhar a morte como uma nova oportunidade dada a você de melhorar sua vida, seja em que aspecto for. Assim, a morte continuará sendo dolorida mas, ao menos, de alguma forma, terá agregado a você e a quem está ao seu redor, valor.
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